O presidente da Argentina, Javier Milei, continua distante de conseguir levar adiante a prometida política de ajuste radical da economia argentina, mergulhada numa inflação acima de 200% ao ano, com reservas estrangeiras negativas e 40% da população na pobreza.
Com menos de dois meses no cargo, Milei enfrentou protestos de rua, uma greve geral e ainda comprou briga com adversários políticos no Congresso Nacional, onde tem minoria nas duas casas, e com os governadores estaduais por causa da chamada Lei Ônibus – o pacotaço anunciado pelo presidente argentino no final de dezembro.
Após uma semana marcada por distúrbios na frente do Congresso e muita negociação nos bastidores, a Câmara dos Deputados ainda relutava em aprovar na sexta-feira, 2 de fevereiro, em meio a intermináveis debates, o que sobrou da Lei Ônibus, desidratada após inúmeras concessões do governo.
Mesmo que a votação final só ocorra na semana que vem, é certo que a política econômica traçada por Milei ao tomar posse terá de ser refeita não só na essência quanto na velocidade. Mesmo porque, após a votação na Câmara, a Lei Ônibus precisa ser aprovada no Senado – provavelmente com mais concessões.
Dos 664 artigos originais, com propostas de mudanças em praticamente todos os setores socioeconômicos da Argentina, sobraram pouco mais de 300 na Câmara dos Deputados.
Para se ter uma ideia das concessões para aprovar o texto-base, Milei abriu mão de todo capítulo fiscal do pacote – que inclui mudanças nas áreas de aposentadorias, retenções, reversão do Imposto de Renda e lavagem de dinheiro, bloco que representa 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
No capítulo de privatizações, essencial em sua estratégia de desregulamentar a economia, das 42 estatais que ele havia prometido passar para a iniciativa privada, a joia da coroa – a estatal de petróleo YPF – foi a primeira a ficar de fora. No fim, sobraram apenas 30, sendo que três só poderão ser privatizadas parcialmente.
Ao assumir o cargo em dezembro, Milei anunciou uma desvalorização cambial de 54%, cortou subsídios da gasolina e de várias tarifas públicas, suspendeu o controle de preços e aumentou impostos de exportação. Ele contava com a Lei Ônibus integral para prosseguir com as reformas.
Neste cenário, a pergunta que fica é como o presidente argentino vai tocar seu projeto ultraliberal de abertura econômica para desacelerar a inflação e zerar o déficit público?
Para Alberto Ramos, diretor do grupo de pesquisa macroeconômica para América Latina do banco Goldman Sachs, Milei simplesmente não tem um plano B viável à mão.
Neste sentido, segundo ele, restam duas opções ao presidente argentino: tentar de novo ou desistir, sendo ambas com custos políticos para o presidente argentino.
“A primeira alternativa é insistir por meio de uma legislação separada, com outra combinação de corte de gastos com aumento de impostos que entregue algum ajuste fiscal, que foi o que o governo argentino prometeu ao FMI”, diz Ramos.
A alternativa desistir, no sentido figurado, seria deixar que o próprio mercado faça o ajuste. Ou seja, sem adoção de medidas fiscais preparadas com antecedência, basta ao governo executar o orçamento de 2023.
“Com uma inflação acima de 200% ao ano, o gasto real vai ficar espremido, forçando o governo a desvalorizar o câmbio, o que por sua vez vai acelerar a inflação e ajudar o governo a fazer o ajuste, só que a um preço social e econômico maior”, acrescenta.
Para o economista Nicolás Alonzo, analista-chefe da consultoria Orlando Ferreres e Asociados, de Buenos Aires, a retirada da parte fiscal do pacote vai dificultar a tarefa de Milei de ajustar as despesas públicas.
Segundo ele, o governo necessariamente terá de aumentar os impostos. “Acho que vamos ter uma versão um pouco diferente do plano original, mas alguns pontos serão respeitados, como a lavagem de dinheiro e a moratória, e certamente será modificado o imposto de renda”, diz Alonzo.
Apoio do FMI
Em meio a tantas notícias ruins, Milei ao menos pode comemorar o apoio recebido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que aprovou nesta semana a liberação de US$ 4,7 bilhões, como parte da revisão no programa de empréstimo de US$ 44 bilhões.
O FMI disse ainda que a Argentina está estabelecendo um plano com uma forte âncora fiscal, além de políticas para redução da inflação e reconstrução de reservas.
Para a economista Elisabeth Bacigalupo, da consultoria argentina ABECEB, a guerra ainda não está perdida para Milei.
Ela afirma que o presidente argentino sabia que enviar uma lei de mais de 600 artigos para o Congresso sem ter maioria parlamentar para aprová-lo implicaria riscos.
Na parte fiscal do pacote que ficou de fora, diz a economista, Milei exagerou ao buscar um equilíbrio fiscal rápido, o que na prática significaria baixar o déficit fiscal de 6% do PIB a zero em um ano.
Bacigalupo diz que mesmo sem alcançar o equilíbrio fiscal no primeiro ano, o governo deverá atingir um déficit baixo, o que não trará problemas com o FMI.
“Trabalhamos com um cenário-base no qual economia entra numa trajetória de desinflação moderada, retornando mensalmente a um dígito até maio, mas ainda com preços relativos a serem reorganizados”, diz. “Embora o desafio seja significativo para Milei, é administrável.”
Em outubro, o FMI previa um crescimento de 2,8% para a economia argentina em 2024. Nesta semana, revisou a projeção para uma contração de 2,8%.
O presidente da Argentina, Javier Milei, continua distante de conseguir levar adiante a prometida política de ajuste radical da economia argentina, mergulhada numa inflação acima de 200% ao ano, com reservas estrangeiras negativas e 40% da população na pobreza.
Com menos de dois meses no cargo, Milei enfrentou protestos de rua, uma greve geral e ainda comprou briga com adversários políticos no Congresso Nacional, onde tem minoria nas duas casas, e com os governadores estaduais por causa da chamada Lei Ônibus – o pacotaço anunciado pelo presidente argentino no final de dezembro.
Após uma semana marcada por distúrbios na frente do Congresso e muita negociação nos bastidores, a Câmara dos Deputados ainda relutava em aprovar na sexta-feira, 2 de fevereiro, em meio a intermináveis debates, o que sobrou da Lei Ônibus, desidratada após inúmeras concessões do governo.
Mesmo que a votação final só ocorra na semana que vem, é certo que a política econômica traçada por Milei ao tomar posse terá de ser refeita não só na essência quanto na velocidade. Mesmo porque, após a votação na Câmara, a Lei Ônibus precisa ser aprovada no Senado – provavelmente com mais concessões.
Dos 664 artigos originais, com propostas de mudanças em praticamente todos os setores socioeconômicos da Argentina, sobraram pouco mais de 300 na Câmara dos Deputados.
Para se ter uma ideia das concessões para aprovar o texto-base, Milei abriu mão de todo capítulo fiscal do pacote – que inclui mudanças nas áreas de aposentadorias, retenções, reversão do Imposto de Renda e lavagem de dinheiro, bloco que representa 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
No capítulo de privatizações, essencial em sua estratégia de desregulamentar a economia, das 42 estatais que ele havia prometido passar para a iniciativa privada, a joia da coroa – a estatal de petróleo YPF – foi a primeira a ficar de fora. No fim, sobraram apenas 30, sendo que três só poderão ser privatizadas parcialmente.
Ao assumir o cargo em dezembro, Milei anunciou uma desvalorização cambial de 54%, cortou subsídios da gasolina e de várias tarifas públicas, suspendeu o controle de preços e aumentou impostos de exportação. Ele contava com a Lei Ônibus integral para prosseguir com as reformas.
Neste cenário, a pergunta que fica é como o presidente argentino vai tocar seu projeto ultraliberal de abertura econômica para desacelerar a inflação e zerar o déficit público?
Para Alberto Ramos, diretor do grupo de pesquisa macroeconômica para América Latina do banco Goldman Sachs, Milei simplesmente não tem um plano B viável à mão.
Neste sentido, segundo ele, restam duas opções ao presidente argentino: tentar de novo ou desistir, sendo ambas com custos políticos para o presidente argentino.
“A primeira alternativa é insistir por meio de uma legislação separada, com outra combinação de corte de gastos com aumento de impostos que entregue algum ajuste fiscal, que foi o que o governo argentino prometeu ao FMI”, diz Ramos.
A alternativa desistir, no sentido figurado, seria deixar que o próprio mercado faça o ajuste. Ou seja, sem adoção de medidas fiscais preparadas com antecedência, basta ao governo executar o orçamento de 2023.
“Com uma inflação acima de 200% ao ano, o gasto real vai ficar espremido, forçando o governo a desvalorizar o câmbio, o que por sua vez vai acelerar a inflação e ajudar o governo a fazer o ajuste, só que a um preço social e econômico maior”, acrescenta.
Para o economista Nicolás Alonzo, analista-chefe da consultoria Orlando Ferreres e Asociados, de Buenos Aires, a retirada da parte fiscal do pacote vai dificultar a tarefa de Milei de ajustar as despesas públicas.
Segundo ele, o governo necessariamente terá de aumentar os impostos. “Acho que vamos ter uma versão um pouco diferente do plano original, mas alguns pontos serão respeitados, como a lavagem de dinheiro e a moratória, e certamente será modificado o imposto de renda”, diz Alonzo.
Apoio do FMI
Em meio a tantas notícias ruins, Milei ao menos pode comemorar o apoio recebido pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que aprovou nesta semana a liberação de US$ 4,7 bilhões, como parte da revisão no programa de empréstimo de US$ 44 bilhões.
O FMI disse ainda que a Argentina está estabelecendo um plano com uma forte âncora fiscal, além de políticas para redução da inflação e reconstrução de reservas.
Para a economista Elisabeth Bacigalupo, da consultoria argentina ABECEB, a guerra ainda não está perdida para Milei.
Ela afirma que o presidente argentino sabia que enviar uma lei de mais de 600 artigos para o Congresso sem ter maioria parlamentar para aprová-lo implicaria riscos.
Na parte fiscal do pacote que ficou de fora, diz a economista, Milei exagerou ao buscar um equilíbrio fiscal rápido, o que na prática significaria baixar o déficit fiscal de 6% do PIB a zero em um ano.
Bacigalupo diz que mesmo sem alcançar o equilíbrio fiscal no primeiro ano, o governo deverá atingir um déficit baixo, o que não trará problemas com o FMI.
“Trabalhamos com um cenário-base no qual economia entra numa trajetória de desinflação moderada, retornando mensalmente a um dígito até maio, mas ainda com preços relativos a serem reorganizados”, diz. “Embora o desafio seja significativo para Milei, é administrável.”
Em outubro, o FMI previa um crescimento de 2,8% para a economia argentina em 2024. Nesta semana, revisou a projeção para uma contração de 2,8%.