Depois de todas as colaborações de moda bizarras na última década, eu estava convencido de que nada mais poderia me surpreender. E então, no final de outubro, descobri que a banda de nu metal Korn – sim, os próprios ‘Freaks on a Leash’ – havia se unido à Adidas para uma coleção-cápsula completa de roupas e calçados, incluindo um agasalho repleto de lantejoulas roxas brilhantes.
Para comemorar o lançamento da colaboração, a gigante alemã de roupas esportivas até transformou sua loja principal em Los Angeles em uma exposição temporária da banda. Poucos dias após o lançamento, a Adidas anunciou que a coleção estava completamente esgotada. E esta foi só a mais recente evidência em uma pilha crescente de pistas sugerindo: o nu metal volta a ser mais do que meramente relevante. O gênero agora é algo que nunca foi antes, mesmo no apogeu dos anos 2000: fashion.
“A estética do nu metal parece a versão alternativa do visual anos 90 e dos primeiros anos 2000 que tem sido popular ultimamente, aquela que tende mais para a menina festeira a la Paris Hilton”, disse Sarah Rozansky, chefe de criação da DONEGER I TOBE, consultoria de moda especializada em previsão de tendências. “A Geração Z parece se atrair por essa estética mais sombria, que se relaciona com uma comunidade musical de nicho.”
A Adidas obviamente fez sua pesquisa de mercado: de acordo com o Google Trends, o interesse pelo nu metal hoje é maior do que quando começou a ser rastreada em 2004. O subgênero Y2K do rock é associado a nomes como Korn, Limp Bizkit, Slipknot, Linkin Park, Deftones, System of a Down, Mudvayne e Coal Chamber (a maioria dos quais, ironicamente, nunca se identificou com o rótulo). É um estilo ao mesmo tempo famoso por sua fusão de metal com o pop e o hip hop e também por ser condenado pelos críticos. “É uma pena que todos nós tivemos que passar pela tendência mais idiota da história da música pela primeira vez. E é ainda pior que estejamos sendo submetidos a isso novamente”, diz Dan Ozzi, o veterano escritor musical e autor de Sellout [sem publicação em português], a respeito do retorno do nu metal ao discurso cultural pop.
O ressurgimento do estilo musical vem se concretizando desde o final da década de 2010, graças a uma geração de rappers e outros artistas de Soundcloud seduzidos pelo tabu duradouro desse gênero. 100 Gecs, Poppy, Pink Pantheress e Rico Nasty reconheceram o nu metal como uma influência musical, e o legado estético do estilo vive nos visuais de Playboi Carti, Doja Cat e Trippie Redd, inspirados no horrorcore. O embaixador de longa data do estilo, Lil Uzi Vert, até lançou um cover de Chop Suey! em seu recente álbum, The Pink Tape. Remixes acelerados de faixas de bandas como Deftones ajudaram a transformar o nu metal em uma espécie de fenômeno de mídia social no TikTok, especialmente entre mulheres jovens. A marca Heaven by Marc Jacobs aproveitou isso em março ao lançar uma extensa colaboração com a banda.
O gênero também teve presença memorável na trilha sonora de Treta – uma das séries mais populares da Netflix em 2023 – enquanto Sick New World, festival de nu metal em Las Vegas, esgotou completamente em seu ano inaugural.
Embora subgêneros do rock, como punk, gótico e grunge, tragam referências imediatas à mente, o que constitui a moda do nu metal é um pouco mais obscuro. Mas há atributos distintos – a fusão de estilos tradicionais de rock com roupas esportivas, juntamente com influências do skate, hip hop e cultura rave. Pense em cabelos escandalosos (pontas descoloridas, dreads coloridos), piercings impraticáveis, correntes, malha e pele, misturados com agasalhos Adidas, moletons grandes, tênis grossos de skate, regatas brancas, óculos de sol de posto de gasolina e calças enormes da JNCO ou Tripp NYC.
O gênero musical não é tão homogêneo, mas muitas vezes se volta para símbolos sujos e caóticos e uma abordagem mais relaxada e solta do estilo alternativo. Muitas dessas bandas eram conhecidas por looks exclusivos, como a maquiagem cyberpunk do Mudvayne, as tranças escandalosas do Coal Chamber, os macacões e máscaras do Slipknot, as Adidas e saias personalizadas do Korn e os bonés invertidos e calças cáqui do Limp Bizkit.
Existem inúmeros exemplos de adeptos desse visual, como Billie Eilish, Justin Bieber (que ganhou as manchetes por usar JNCOs neste verão), Machine Gun Kelly e Jordan Clark, estrela da NBA. O nu metal também abriu caminho na esfera do luxo. Meu palpite é que os cineastas que fizeram os documentários concorrentes sobre Woodstock 99 não esperavam acabar entre as referências da alta moda, mas o infame desfile para a primavera de 2023 de Balenciaga tinha uma curiosa semelhança com cenas do catastrófico festival de nu metal – poços de lama, correntes de carteira e tudo.
A agenda deste estilo musidal também vai muito bem, obrigado, em coleções recentes de marcas badaladas como Vetements, 017 Alyx 9SM, Willy Chavarria, Diesel, Y-Project e No Faith. “Estamos vendo um endurecimento da estética da moda e muitos tons mais escuros e combinações de cores feias”, disse Gwyneth Holland, analista de tendências da BDA Londres. “Há um movimento em direção ao anti-cool e à pós-perfeição, que consiste em abraçar coisas que são nojentas ou estranhas. Pessoalmente, adoro que as pessoas estejam desafiando velhas ideias de bom gosto. O nu metal vai meio na contramão do quiet luxury.”
Em julho, Travis Scott surgiu no Instagram e em seu videoclipe de K-POP, com The Weeknd e Bad Bunny, usando trajes de Limp Biskit. O merchandising da turnê Utopia, que quebrou recordes de vendas, também parece notavelmente ‘Korn-y’. Os looks inspirados no nu metal também se prestam bem a momentos dignos de memes: considere Sam Smith em um look completo da Vetements na estreia da Barbie, ou até mesmo Robert Pattison na capa da GQ ano passado. Marcas como Praying e Barragán – famosas por suas camisetas provocantes adornadas com frases como “Feral” ou “J’Adore Ur Hole” – trazem à mente a ousadia e a grosseria das bandas e seus produtos (como a infame camiseta “people = shit” do Slipknot).
Afinal, “lixo” e controvérsia – duas coisas que os grupos de nu metal sempre entenderam e dominaram – são pilares do zeitgeist da indumentária na era dos algoritmos. Holiday Kirk, jornalista musical e administrador da popular conta X @numetal_moment, dá sua opinião: “Tenho estado inquieto ultimamente porque a música está ficando um pouco perdida, de repente parece mais uma coisa sobre moda. Mas é claro que essa é parte da razão pela qual essas bandas fizeram tanto sucesso. Eles eram como fazendas de conteúdo antes mesmo de esse conceito existir.”
As tendências online revolvidas constantemente pela nostalgia criou uma demanda frequente por looks e conceitos cada vez mais extremos. A associação entre os críticos do nu metal com a crueza, a violência, a raiva masculina branca e o mau gosto geral confere-lhe um toque de provocação que géneros como o grunge e o hip hop já perderam. Superficialmente, o nu metal é o amálgama perfeito de estéticas que são atemporais (metal, skate, streetwear) e modernas (Y2K, rave). As suas associações culturais mais profundas refletem o niilismo que floresceu entre as mentalidades pós-pandémicas e pós-“woke” [termo em inglês que costumava definir quem “acordou” [woke] para injustiças sociais e/ou raciais, mas hoje pode ter um sentido pejorativo, algo como “lacrador”].
É realmente tão surpreendente que as pessoas que navegam pela vida em um planeta devastado pela guerra e em decadência estejam se vendo mais na simplicidade brutal e no absurdo de Break Stuff do que nas paisagens sonoras intrincadas e inebriantes do Pink Floyd? “Elas estão tentando processar o mundo infinitamente horrível e assustador em que vivemos e isso se transformou em um senso de humor mais sombrio”, sugere Holland. “Comparado com outras formas de rock, o nu metal não se levava muito a sério. Acho que é por isso que ele atrai as pessoas agora.”
Ross Robinson, que produziu os primeiros discos de Korn, Limp Bizkit e Slipknot, diz que essa indiferença à opinião pública é o que tornou o gênero tão eficaz. “Não tínhamos ideia de que alguém se importaria, fora a gente”, conta. “Não havia ninguém para impressionar, ninguém para quem vender.” Esta atitude, especialmente quando traduzida na moda, resume uma forma rara de luxo. “Mais do que a moda, o nu metal representa uma emoção aberta que nunca havia sido expressa intensamente na música antes. Esse, para mim, é o aspecto mais inovador do estilo”, acrescentou Robinson.
Faz tempo que a capacidade de irritar é terreno comum entre a moda alternativa, a música e a cultura jovem. Se escritores musicais como Ozzi não considerassem o nu metal a “tendência musical mais idiota de todos os tempos”, colaborações como Korn x Adidas não teriam mística alguma. Para citar uma das camisetas mais vendidas do Praying: “Eles não constroem estátuas de críticos”.
*Leia a matéria original na GQ US
Depois de todas as colaborações de moda bizarras na última década, eu estava convencido de que nada mais poderia me surpreender. E então, no final de outubro, descobri que a banda de nu metal Korn – sim, os próprios ‘Freaks on a Leash’ – havia se unido à Adidas para uma coleção-cápsula completa de roupas e calçados, incluindo um agasalho repleto de lantejoulas roxas brilhantes.
Para comemorar o lançamento da colaboração, a gigante alemã de roupas esportivas até transformou sua loja principal em Los Angeles em uma exposição temporária da banda. Poucos dias após o lançamento, a Adidas anunciou que a coleção estava completamente esgotada. E esta foi só a mais recente evidência em uma pilha crescente de pistas sugerindo: o nu metal volta a ser mais do que meramente relevante. O gênero agora é algo que nunca foi antes, mesmo no apogeu dos anos 2000: fashion.
“A estética do nu metal parece a versão alternativa do visual anos 90 e dos primeiros anos 2000 que tem sido popular ultimamente, aquela que tende mais para a menina festeira a la Paris Hilton”, disse Sarah Rozansky, chefe de criação da DONEGER I TOBE, consultoria de moda especializada em previsão de tendências. “A Geração Z parece se atrair por essa estética mais sombria, que se relaciona com uma comunidade musical de nicho.”
A Adidas obviamente fez sua pesquisa de mercado: de acordo com o Google Trends, o interesse pelo nu metal hoje é maior do que quando começou a ser rastreada em 2004. O subgênero Y2K do rock é associado a nomes como Korn, Limp Bizkit, Slipknot, Linkin Park, Deftones, System of a Down, Mudvayne e Coal Chamber (a maioria dos quais, ironicamente, nunca se identificou com o rótulo). É um estilo ao mesmo tempo famoso por sua fusão de metal com o pop e o hip hop e também por ser condenado pelos críticos. “É uma pena que todos nós tivemos que passar pela tendência mais idiota da história da música pela primeira vez. E é ainda pior que estejamos sendo submetidos a isso novamente”, diz Dan Ozzi, o veterano escritor musical e autor de Sellout [sem publicação em português], a respeito do retorno do nu metal ao discurso cultural pop.
O ressurgimento do estilo musical vem se concretizando desde o final da década de 2010, graças a uma geração de rappers e outros artistas de Soundcloud seduzidos pelo tabu duradouro desse gênero. 100 Gecs, Poppy, Pink Pantheress e Rico Nasty reconheceram o nu metal como uma influência musical, e o legado estético do estilo vive nos visuais de Playboi Carti, Doja Cat e Trippie Redd, inspirados no horrorcore. O embaixador de longa data do estilo, Lil Uzi Vert, até lançou um cover de Chop Suey! em seu recente álbum, The Pink Tape. Remixes acelerados de faixas de bandas como Deftones ajudaram a transformar o nu metal em uma espécie de fenômeno de mídia social no TikTok, especialmente entre mulheres jovens. A marca Heaven by Marc Jacobs aproveitou isso em março ao lançar uma extensa colaboração com a banda.
O gênero também teve presença memorável na trilha sonora de Treta – uma das séries mais populares da Netflix em 2023 – enquanto Sick New World, festival de nu metal em Las Vegas, esgotou completamente em seu ano inaugural.
Embora subgêneros do rock, como punk, gótico e grunge, tragam referências imediatas à mente, o que constitui a moda do nu metal é um pouco mais obscuro. Mas há atributos distintos – a fusão de estilos tradicionais de rock com roupas esportivas, juntamente com influências do skate, hip hop e cultura rave. Pense em cabelos escandalosos (pontas descoloridas, dreads coloridos), piercings impraticáveis, correntes, malha e pele, misturados com agasalhos Adidas, moletons grandes, tênis grossos de skate, regatas brancas, óculos de sol de posto de gasolina e calças enormes da JNCO ou Tripp NYC.
O gênero musical não é tão homogêneo, mas muitas vezes se volta para símbolos sujos e caóticos e uma abordagem mais relaxada e solta do estilo alternativo. Muitas dessas bandas eram conhecidas por looks exclusivos, como a maquiagem cyberpunk do Mudvayne, as tranças escandalosas do Coal Chamber, os macacões e máscaras do Slipknot, as Adidas e saias personalizadas do Korn e os bonés invertidos e calças cáqui do Limp Bizkit.
Existem inúmeros exemplos de adeptos desse visual, como Billie Eilish, Justin Bieber (que ganhou as manchetes por usar JNCOs neste verão), Machine Gun Kelly e Jordan Clark, estrela da NBA. O nu metal também abriu caminho na esfera do luxo. Meu palpite é que os cineastas que fizeram os documentários concorrentes sobre Woodstock 99 não esperavam acabar entre as referências da alta moda, mas o infame desfile para a primavera de 2023 de Balenciaga tinha uma curiosa semelhança com cenas do catastrófico festival de nu metal – poços de lama, correntes de carteira e tudo.
A agenda deste estilo musidal também vai muito bem, obrigado, em coleções recentes de marcas badaladas como Vetements, 017 Alyx 9SM, Willy Chavarria, Diesel, Y-Project e No Faith. “Estamos vendo um endurecimento da estética da moda e muitos tons mais escuros e combinações de cores feias”, disse Gwyneth Holland, analista de tendências da BDA Londres. “Há um movimento em direção ao anti-cool e à pós-perfeição, que consiste em abraçar coisas que são nojentas ou estranhas. Pessoalmente, adoro que as pessoas estejam desafiando velhas ideias de bom gosto. O nu metal vai meio na contramão do quiet luxury.”
Em julho, Travis Scott surgiu no Instagram e em seu videoclipe de K-POP, com The Weeknd e Bad Bunny, usando trajes de Limp Biskit. O merchandising da turnê Utopia, que quebrou recordes de vendas, também parece notavelmente ‘Korn-y’. Os looks inspirados no nu metal também se prestam bem a momentos dignos de memes: considere Sam Smith em um look completo da Vetements na estreia da Barbie, ou até mesmo Robert Pattison na capa da GQ ano passado. Marcas como Praying e Barragán – famosas por suas camisetas provocantes adornadas com frases como “Feral” ou “J’Adore Ur Hole” – trazem à mente a ousadia e a grosseria das bandas e seus produtos (como a infame camiseta “people = shit” do Slipknot).
Afinal, “lixo” e controvérsia – duas coisas que os grupos de nu metal sempre entenderam e dominaram – são pilares do zeitgeist da indumentária na era dos algoritmos. Holiday Kirk, jornalista musical e administrador da popular conta X @numetal_moment, dá sua opinião: “Tenho estado inquieto ultimamente porque a música está ficando um pouco perdida, de repente parece mais uma coisa sobre moda. Mas é claro que essa é parte da razão pela qual essas bandas fizeram tanto sucesso. Eles eram como fazendas de conteúdo antes mesmo de esse conceito existir.”
As tendências online revolvidas constantemente pela nostalgia criou uma demanda frequente por looks e conceitos cada vez mais extremos. A associação entre os críticos do nu metal com a crueza, a violência, a raiva masculina branca e o mau gosto geral confere-lhe um toque de provocação que géneros como o grunge e o hip hop já perderam. Superficialmente, o nu metal é o amálgama perfeito de estéticas que são atemporais (metal, skate, streetwear) e modernas (Y2K, rave). As suas associações culturais mais profundas refletem o niilismo que floresceu entre as mentalidades pós-pandémicas e pós-“woke” [termo em inglês que costumava definir quem “acordou” [woke] para injustiças sociais e/ou raciais, mas hoje pode ter um sentido pejorativo, algo como “lacrador”].
É realmente tão surpreendente que as pessoas que navegam pela vida em um planeta devastado pela guerra e em decadência estejam se vendo mais na simplicidade brutal e no absurdo de Break Stuff do que nas paisagens sonoras intrincadas e inebriantes do Pink Floyd? “Elas estão tentando processar o mundo infinitamente horrível e assustador em que vivemos e isso se transformou em um senso de humor mais sombrio”, sugere Holland. “Comparado com outras formas de rock, o nu metal não se levava muito a sério. Acho que é por isso que ele atrai as pessoas agora.”
Ross Robinson, que produziu os primeiros discos de Korn, Limp Bizkit e Slipknot, diz que essa indiferença à opinião pública é o que tornou o gênero tão eficaz. “Não tínhamos ideia de que alguém se importaria, fora a gente”, conta. “Não havia ninguém para impressionar, ninguém para quem vender.” Esta atitude, especialmente quando traduzida na moda, resume uma forma rara de luxo. “Mais do que a moda, o nu metal representa uma emoção aberta que nunca havia sido expressa intensamente na música antes. Esse, para mim, é o aspecto mais inovador do estilo”, acrescentou Robinson.
Faz tempo que a capacidade de irritar é terreno comum entre a moda alternativa, a música e a cultura jovem. Se escritores musicais como Ozzi não considerassem o nu metal a “tendência musical mais idiota de todos os tempos”, colaborações como Korn x Adidas não teriam mística alguma. Para citar uma das camisetas mais vendidas do Praying: “Eles não constroem estátuas de críticos”.
*Leia a matéria original na GQ US