Estudantes ocuparam a Avenida Paulista: “Revoga a reforma, ou paramos o Brasil” – Fotos: Pedro Inácio/UMES
Estudantes, professores e movimentos sociais comemoram adiamento da votação do projeto de lei que altera a Política Nacional do Ensino Médio. A proposta enviada pelo governo propunha alterar as mudanças curriculares, instituídas durante o governo Temer em 2017, e foi deturpada pelo relator, o deputado Mendonça Filho (União-PE).
Mendoncinha, como o deputado é conhecido no Congresso, apresentou um parecer que retomava os principais eixos da famigerada MP que criou o “Novo Ensino Médio”. O deputado era ministro da Educação no governo Michel Temer, quando a mudança foi instituída.
Na quarta-feira (13), um requerimento de regime de urgência do projeto foi aprovado e a votação estava marcada para esta terça-feira (19), na última sessão da Câmara neste ano.
Ao anunciar o adiamento da votação, o deputado federal José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara afirmou que “discutir o novo Ensino Médio é discutir sobre impacto na vida de milhões de famílias brasileiras, não é pouca coisa. Por isso, junto ao ministro Camilo Santana e ao deputado Mendonça Filho, articulamos o adiamento da votação do PL para março. Mais debate, mais pluralidade”.
Estudantes, professores, educadores e parlamentares se mobilizaram nesta semana em defesa do adiamento da votação e da construção de uma proposta que contemple as reivindicações dos diversos setores para o ensino brasileiro. Eles relembram que o projeto apresentado pelo MEC, corrige os principais atrasos do “Novo Ensino Médio”, restabelecendo a carga horária obrigatória, proibindo a modalidade de Ensino à Distância e colocando fim aos chamados “itinerários formativos”.
“Comemorando a vitória da educação hoje. Mas nossa mobilização continua em defesa das 2.400 horas, do ensino da língua espanhola e contra o notório saber e os 20% EAD. Nossa luta é pelo acesso à educação pública e de qualidade, sempre!”, afirmou a deputada Alice Portugal (PCdoB).
De acordo com o presidente da CNTE, Heleno Araújo, após um encontro do ministro da Educação (MEC) Camilo Santana com o relator da proposta, ficou acordado que a reforma do Novo Ensino Médio (NEM) será votada no próximo ano, após a realização da Conferência Nacional Educação (Conae 2024). “A Conae vai discutir o tema e nós vamos trazer o debate para o Congresso, com interlocução do MEC”, informa Heleno.
Entretanto, ele reforça a importância das mobilizações e da pressão em prol das reivindicações dos/as trabalhadores em educação continuar até lá. “Precisamos continuar mobilizados e atentos a todo o momento para garantir aquilo que foi construído”, afirmou.
TROCAR SEIS POR MEIA DÚZIA, NÃO RESOLVE NADA
Lucca Gidra, presidente da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES-SP), defendeu a retirada da urgência do projeto é fundamental, pois, ele apresenta muitas falhas e não respeita as consultas à opinião da população, o que só prejudicará ainda mais a educação.
“É importante o adiamento da votação, pois o projeto de mudança do ensino médio não pode ser enviado dessa maneira para o Plenário. Está cheio de problemas e na prática representa trocar seis por meia dúzia, não resolve nada. O que Mendonça Filho fez foi simplesmente passar por cima de toda uma grande discussão feita na sociedade esse ano, ignorou a consulta pública, a opinião dos professores e toda a manifestação dos estudantes que ocorreu ao longo do ano em todo o Brasil! E faz isso para agradar interesses mesquinhos de quem lucra com a desigualdade social e educacional”, disse.
“Quem perde com a proposta de Mendonça é o Brasil, que terá uma juventude má formada, cheia de espírito empreendedor e com a barriga vazia, empobrecida. Não vamos aceitar esse retrocesso! Estamos mobilizados e na luta em defesa das 2.400 horas pro ensino básico e do adiamento da votação pro ano que vem!”, continuou Lucca.
A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) criticou a velocidade da votação no apagar das luzes de 2023, quando as escolas estão fechadas e com os estudantes em férias. A entidade aponta que o contexto não favorece a disseminação dos debates sobre o texto em análise na Câmara e, consequentemente, afeta o nível de engajamento da classe estudantil. “Nós achamos que o ideal seria ele ser votado posteriormente à Conferência Nacional de Educação, porque [os parlamentares] iriam ouvir novamente a sociedade civil”, disse a presidente da entidade, Jade Beatriz em declaração ao portal Brasil de Fato.
A União Nacional dos Estudantes (UNE) também defendeu a revogação do NEM em suas redes sociais.
“Pelo fim dos itinerários e do notório saber! Amanhã (19) haverá uma mobilização pela alteração no Projeto de Lei do Ensino Médio. Nossa luta é por um ensino médio de qualidade, com 2400 horas na Formação Geral Básica, eliminando o notório saber, os itinerários formativos e os 20% de Educação a Distância. Além disso, também lutamos para assegurar o espanhol como 13ª disciplina obrigatória”, diz a UNE.
O coordenador da Campanha Nacional da Educação, professor da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara, parabenizou a mobilização em suas redes sociais. “ADIADA A VOTAÇÃO DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO PARA MARÇO DE 2024. Parabéns a todas e todos nós pela LUTA e a parlamentares comprometidos”, afirmou o professor.
“Nessa reta final, parabenizo e agradeço a parceria e a atuação de André Figueiredo (PDT-CE), Alice Portugal (PCdoB), Bacelar (PV-BA), Duda Salabert (PDT-MG), Idilvan Alencar (PDT-CE), Luiza Erundina (PSOL-SP), Glauber Braga (PSOL-RJ), Pedro Uczai (PR-SC), Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Tadeu Veneri (PT-PR), Tarcísio Mota (PSOL-RJ) e Zeca Dirceu (PT-PR) por manterem contato e se articular com os membros do Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade. Nossa mobilização deu certo”, destacou Daniel.
MUDANÇAS
As mudanças estabelecidas com o “Novo Ensino Médio” começaram a ser colocadas em prática em 2022, causando um verdadeiro desastre na educação pública brasileira. Ao invés das disciplinas tradicionais, estudantes passaram a ter itinerários como “projeto de vida”, “RPG” e “como fazer brigadeiro”.
O parecer de Mendonça, no entanto, mantém os principais pontos que são alvo de criticas de estudantes e professores. Dentre eles, destacam-se:
- 1. A redução para 2.100 horas dos conteúdos da Formação Geral Básica (FGB), contrapondo a proposta do MEC de ampliá-los para 2.400 horas.
- 2. A manutenção dos itinerários formativos estabelecidos na Lei nº 13.415, desatrelados da FGB e com oferta de apenas 1 componente por escola, perpetuando as desigualdades nos sistemas públicos de ensino.
- 3. A precarização da oferta de Educação Técnica Profissional mediante o acesso a cursos de curta duração, inclusive na modalidade a distância.
- 4. A permanência de trabalhadores/as com Notório Saber entre os profissionais da educação básica (art. 61 da LDB), descaracterizando a formação e a profissão docente.
- 5. A flexibilização da proposta do MEC de tornar obrigatória a oferta de língua espanhola no ensino médio, sobrepondo as diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio à pretensa autonomia dos entes subnacionais.
REPÚDIO
O projeto recebeu críticas por parte da população, especialmente de estudantes do nível médio, além de professores e movimentos sociais. Nesta semana, uma pesquisa realizada pela UNESCO apontou que 56% dos estudantes, 76% dos docentes e 66% dos gestores estão insatisfeitos com as mudanças promovidas pelo Novo Ensino Médio.
Segundo a coordenadora do setor de Educação da Unesco no Brasil, Rebeca Otero, a pesquisa foi feita para subsidiar as tomadas de decisão do Ministério da Educação (MEC) e os estados.
“Eu acho que essa pesquisa traz justamente isso, subsídios para melhorar. Não é porque implementou e se gastou muitos recursos para implementar dessa forma que não se pode mudar. Tem que ir avaliando e ir melhorando”, defende.
Rebeca Otero ressalta que é preciso levar em consideração esse descompasso entre o que está sendo possível ofertar e o que está sendo demandado para que sejam criadas condições para melhor atender tanto estudantes quanto os professores e gestores.
“Para além da disputa política que a gente vê em cima do tema, temos que ver que são estudantes, são os nossos jovens, e é a vida deles que está em jogo, e a dos profissionais, dos docentes e gestores. É importante trazer a voz deles nesse momento”, ressalta Rebeca Otero.