Retratada em livros, filmes e obras dos mais variados gêneros, a guerra sempre provocou interesse. Na vida real não é diferente, guerras geram medo e fascínio, mesmo a milhares de quilômetros de distância, na tentativa de entender as motivações que podem variar entre questões ideológicas, políticas, religiosas, étnicas, econômicas ou disputas territoriais.
Há mais de 100 anos, na esteira da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), o mundo foi apresentado ao horror causado por um conflito em larga escala. À época, um dizer ganhou força para caracterizar o acontecimento: “A guerra que acabará com as guerras (The war that will end war)”. A frase, frequentemente associada ao ex-presidente americano Woodrow Wilson, provou-se balela, quando a 2ª Guerra Mundial (1939-1945) eclodiu apenas duas décadas depois, mostrando-se ainda mais devastadora.
Avanços tecnológicos, bélicos e o trauma de duas guerras mundiais fizeram com que as nações adotassem postura cautelosa em termos de guerra total, mas contendas locais continuam a desembocar em combates armados ainda hoje. O Oriente Médio é um caldeirão fervoroso neste sentido. O capítulo mais recente envolve Israel e o grupo palestino Hamas. A escalada nesse conflito tem mobilizado outros grupos paramilitares locais e tem envolvido mais atores estatais como o Irã, que passou a trocar ataques diretos com Tel Aviv na última semana, algo inédito na região.
“A guerra é a continuação da política por outros meios“, disse parafraseando o estrategista militar prussiano Carl von Clausewitz. “A guerra não é pura e simplesmente violência, apesar de em muitos casos parecer isso e não demonstrar nenhum tipo de racionalidade nas suas ações”, aponta Lucas Leite, professor doutor em Relações Internacionais na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), sobre o motivo para para a continuação desse e de outros pontos de tensão pelo mundo.
O professor explica que, em última instância, a guerra está ligada às relações sociais, políticas e econômicas. “É um meio utilizado pelos Estados para proteção e busca de interesses. Nas Relações Internacionais há a ideia de que, como não há nada acima dos Estados, a percepção teórica é de que, como não existe ninguém para definir regras ou punir quem faz a guerra, os países estariam sempre com medo de se tornarem alvos e, por isso, todos teriam de se prevenir e se armar para eventuais conflitos”.
Por isso, Leite aponta que a guerra seria algo natural dentro das relações internacionais, uma vez que não há constituição que proíba e puna os Estados. A Organização das Nações Unidas (ONU) teria papel mais simbólico que prático.
“A guerra continua porque temos Estados com interesses diversos, diferenças econômicas, políticas, sociais, culturais e religiosas que, em alguma medida, tornam-se elementos de rivalidade e objetos de construção de inimigos”, pondera.
O entendimento é compartilhado por Iago Caubi, mestre em relações internacionais e pesquisador ligado ao GIS-UFRJ. Ele entende que o planeta vive atualmente sob um “sistema internacional anárquico”, no qual acima da autoridade política do Estado não há nenhum outro ator. “Os Estados, por sua vez, tendem a buscar maximizar seus ganhos econômicos, políticos e militares em detrimento dos que consideram rivais”.
O especialista sustenta que as relações entre Estados são regidas por uma balança de poder. “Os países tendem a buscar alianças que maximizem sua influência neste cenário anárquico. Quando surge uma potência com pretensão hegemônica, se criam alianças contra-hegemônicas. Um exemplo atual é o embate entre Estados Unidos e China que conseguiu unificar China e Rússia, países que tinham disputas fronteiriças, para diminuir a influência americana na região que consideram sua própria zona de domínio”, explica.
Os pesquisadores ouvidos pela reportagem reforçam que a diplomacia é fundamental para evitar que conflitos se transformem em guerras abertas e corridas armamentistas. Porém, nem sempre é suficiente por si só para evitar enfrentamentos. “A diplomacia depende fundamentalmente da força política dos Estados envolvidos e dos seus interesses”, conclui Caubi.
Para Uriã Fancelli, mestre em relações internacionais pelas universidades de Estrasburgo e Groningen, do ponto de vista da relação entre Estados, a diplomacia parece vir perdendo força, no sentido de evitar novos conflitos locais. “Existe uma dificuldade em relação à manutenção de alguns tratados internacionais (que envolvem armamentos) que deixavam o mundo mais seguro e são reflexos da construção diplomática. Quando acordos começam a ser desrespeitados, a diplomacia falha e se parte para o lado militar”, pontua.
Fancelli endossa que a questão da diplomacia como ferramenta para evitar conflitos deve ser levada em conta quando os Estados estão envolvidos diretamente. Grupos não estatais, que promovem conflitos locais, não têm o amparo desse mecanismo. “Casos comuns estão no Oriente Médio com o Hamas, na Palestina; Hezbollah, no Líbano, e Houthis, no Iêmen”. Atores locais que contam com apoio de estados como o Irã, mas que não são estatais.
Fontes de tensão pelo mundo
- Israel x Hamas – Conflito que dura anos com escaladas pontuais
- Irã x Israel – Onda de tensão no Oriente Médio com ataque de Israel a embaixada no Líbano e que gerou ofensiva inédita de Teerã contra território israelense. Tel-Aviv contra-atacou nesta semana.
- Rússia x Ucrânia – Guerra que perdura há dois anos no leste europeu, sem prespectivas de fim.
- Venezuela x Guiana – Tensão causada por disputa territorial em Essequibo.
- Armênia x Azerbaijão – Conflito territorial e étnico que escalou na região de Nagorno-Karabakh.
- China x Taiwan – Disputa territorial. A China considera a ilha como uma província rebelde, enquanto Taiwan se proclama independente.
- Sudão, a “guerra esquecida” – Conflito interno que está em curso após um golpe militar realizado em 2021. Desde o ano passado, dois generais que eram aliados romperam e disputaram o controle do país num combate que já deixou um rastro de milhões de deslocados necessitando de ajuda humanitária, provocando insegurança alimentar e milhares de mortes diretas e indiretas.
- Saara Ocidental – Território na porção Norte da África, foi colônia da Espanha até a década de 1970, e segue sendo alvo de reivindicações e disputa territorial. O Marrocos é a principal nação a reivindicar controle sobre o território, enfrentando a Frente Polisario que defende a soberania do Saara Ocidental.