O desafio atual de produzir alimentos de qualidade em quantidade depende, dentre outros fatores, da melhoria da saúde do solo, preservação da biodiversidade e dinamização das relações solo-planta-animal-atmosfera. A acentuação dos efeitos da poluição, degradação dos ecossistemas e aquecimento global, fez com que o “sustentar” deixasse de ser suficiente para garantir a perenidade da vida no planeta, originando uma demanda crescente por um novo passo, rumo à regeneração de posturas, atividades e ambientes.
Nesse contexto, os bioinsumos podem fazer toda a diferença, afinal são produtos de origem biológica que interferem positivamente no desenvolvimento de plantas, animais e microrganismos, com ênfase para a otimização de respostas a estresses ambientais.
Sua utilização é, em geral, vinculada à racionalização do uso de recursos e ao controle de processos com vistas a produções integradas ao ambiente e à obtenção de alimentos mais nutritivos e livres de resíduos indesejáveis (Fig. 1).
Figura 1. Benefícios do uso de bioinsumos.
Fonte: Elaborada pelos autores.
A opção pelo seu uso resulta no estímulo à ação de inimigos naturais, microrganismos e substâncias que contribuem para a conservação dos diferentes ecossistemas e diminuem / evitam a exposição de trabalhadores e consumidores a compostos sintéticos. Diferentemente, o uso indiscriminado de agrotóxicos coloca em risco a saúde de quem produz e de quem consome, com efeitos sobre diversos componentes do ambiente (Fig. 2).
Figura 2. Dinâmica da contaminação por agrotóxicos em solos e águas.
Fonte: Dill (2022).
Estas diferenças se devem não somente à origem dos produtos, mas também ao seu modo de ação, persistência, risco de desenvolvimento de resistência e forma de obtenção (Fig. 3), com implicações nos custos e na dependência do uso de insumos pelo produtor.
Figura 3. Diferenças entre agroquímicos e biodefensivos.
Fonte: Dill (2022).
Potencial de uso de bioinsumos em sistemas agrícolas
A diversidade dos insumos biológicos permite sua utilização na produção, armazenamento e beneficiamento de diferentes produtos agrícolas (Fig. 4a), incluindo desde fertilizantes e estimulantes do adequado desenvolvimento de plantas e animais, até produtos de controle / defensivos (Fig. 4b).
Figura 4. Panorama da utilização e classificação de bioinsumos.
Fonte: Adaptada pelos autores de CropLife (2023) e Dill (2022).
Situação atual do uso de bioinsumos no Brasil e no mundo
A escassez / dificuldade de aquisição de insumos dos últimos anos, devida à pandemia do Covid-19 e acentuada pela Guerra da Ucrânia, têm suscitado um aumento generalizado dos custos e maior ênfase no planejamento e racionalização do uso de insumos na busca de alternativas de viabilização da produção agrícola e pecuária.
Estes efeitos, combinados com a crescente preocupação da população mundial com a saúde, perdas de biodiversidade e efeitos das mudanças climáticas catalisaram a necessidade de mudança dos sistemas agropecuários e de sua relação com o ambiente. Como resultado, o uso de bioinsumos tem aumentado de forma consistente nos diferentes continentes (Fig. 5).
Figura 5. Mercado global de produtos biológicos por tipo de produto (a) e por continente (b).
Fonte: Traduzida e adaptada pelos autores de GMI (2019; 2023a; 2023b), VMR (2023) e M&M (2020; 2023).
No Brasil, apesar do país não fazer parte dos maiores mercados internacionais de bioinsumos (Fig. 6), tem-se observado uma taxa de crescimento anual do mercado nacional de biológicos de 39,3%, frente aos 13,9% do mundo.
Figura 6. Participação (%) dos diferentes continentes no mercado global de bioinsumos.
Fonte: Traduzida pelos autores de Shagnick (2023).
Este dinamismo fez com que na safra 2022-2023 fossem utilizadas bactérias promotoras de crescimento em cerca de 40 milhões de hectares e produtos biológicos para controle de pragas em 10 milhões de hectares – considerando o número de aplicações por área cultivada por cultura (BRASIL, 2023).
Assim, em relação à safra 2021-2022, o setor de biológicos brasileiro apresentou em 2022-2023:
1- expansão de 18 milhões de hectares tratados com inoculantes e produtos de biocontrole (Fig. 7a);
2- aumento de 52% no valor total de inoculantes e produtos de biocontrole (Fig. 7b), com destaque para bionematicidas e bioinseticidas (Fig. 7c).
Figura 7. Área tratada (AT) e volume de negócios com/de produtos de biocontrole e inoculantes.
Fonte: Traduzida e adaptada pelos autores de Kynetec (2023).
Esta utilização variou, no entanto, segundo a cultura, cobrindo 50% da área de cana-de-açúcar, 20 e 40% da área de milho, primeira e segunda safra, respectivamente, e 33% da área plantada de soja em 2022-23.
Apesar da menor consagração em relação a culturas anuais, a utilização de bioinsumos vem tendo boa adesão junto a produtores de outras culturas, como uvas de mesa e manga do Vale do Submédio São Francisco, por exemplo. A grande demanda por pesquisas reflete um novo cenário, frente às crescentes exigências das agências reguladoras de países importadores, sobretudo quanto aos limites máximos de resíduos de agroquímicos. Isso abre uma grande janela de oportunidades para a inserção de novos produtos, tecnologias e arranjos produtivos.
Perspectivas do mercado de bioinsumos
Nos próximos anos, com a crescente tendência pró saúde e a retomada da economia global pós- Covid-19, estima-se um crescimento anual de mais de 13,9% no mercado de biológicos agrícolas em nível global (Fig. 8).
Figura 8. Estimativa de crescimento global do mercado de biológicos agrícolas.
Fonte: Traduzida e adaptada pelos autores de M&M (2023).
Em meio a isso, o Brasil tem potencial para se tornar referência mundial no desenvolvimento, produção e consumo de bioinsumos, em função de sua biodiversidade, recursos naturais, variabilidade climática, bem como, da confiabilidade / atratividade do setor de bioinsumos que conta com:
1- Rigor dos procedimentos de registro e comercialização, similar ao de produtos de origem química (Fig. 9);
Figura 9. Processo de desenvolvimento de produtos biotecnológicos.
Fonte: Dill (2022).
2- Retornos financeiros atraentes aos investidores na produção e comercialização, com perspectivas positivas já que a demanda tem superado a oferta;
3- Grande margem de expansão, considerando o volume total de produtos utilizados na agricultura brasileira (Fig. 10);
Figura 10. Mercado brasileiro de produtos de proteção de cultivos.
Fonte: Traduzida pelos autores de Kynetec (2023).
4- Alinhamento a tendências globais de valorização de insumos agrícolas naturais, que respeitem o ambiente e resultem em alimentos mais saudáveis.
Em meio a isso, “salta aos olhos” a adoção e intenção de uso de bioinsumos e práticas sustentáveis pelos produtores brasileiros (Fig. 11).
Figura 11. Intenção de uso pelos produtores: de práticas sustentáveis no Brasil (a) e de bioinsumos em diferentes partes do mundo (b), em % de respondentes.
Fonte: Adaptada pelos autores de McKinsey (2022).
Enquanto 50% dos produtores utilizam bioinsumos e 87% preveem manter ou aumentar sua utilização no Brasil (S&P Global, 2022), menos de 30% o fazem nos demais países.
Esses diferentes fatores resultam na previsão de que o mercado brasileiro de bioinsumos alcance mais de US$ 3,5 bilhões até 2030, passando dos 5% atuais, para cerca de 10% do mercado mundial (Fig. 12).
Figura 12. Perspectivas de crescimento do mercado de bioinsumos até 2030 (em bilhões de dólares).
Fonte: Adaptada pelos autores de M&M (2023) e S&P Global (2022).
Bioinsumos e agricultura regenerativa
O uso de bioinsumos vem naturalmente ao encontro da agricultura regenerativa, na medida que permite a redução / supressão da utilização rotineira de agroquímicos na produção de alimentos, permitindo melhorar a saúde do solo e a biodiversidade, com resultados positivos na produtividade e sustentabilidade. Afinal, como seria possível estimular relações simbióticas em situações produtivas complexas, como os sistemas pastoris (Fig. 13), suprimindo parte de seus componentes e organismos?
Figura 13. Relações solo-planta-animal-atmosfera em sistemas pastoris.
Fonte: Milkpoint (2022).
Mais do que reduzir agrotóxicos, o uso de produtos de origem biológica inclui uma mudança de perspectiva: do usar o ambiente para o conviver com ele em sistemas produtivos. Isso exige planejamento, senso de observação e sensibilidade. Se na natureza, as plantas mantêm o solo coberto o ano todo, onde as condições climáticas permitem, sem o uso rotineiro de inseticidas, fungicidas e herbicidas, por que em sistemas produtivos teria que ser diferente? Destas reflexões derivam os princípios da agricultura regenerativa que também permeiam as demais modalidades atuais de produção alternativa de alimentos (Fig. 14).
Figura 14. Agricultura regenerativa: princípios fundamentais e relação com outras modalidades de produção agropecuária diferenciada.
Fonte: Adaptada pelos autores de RegenerAgri, 2022.
Diferentes práticas e focos produtivos consagrados se inserem neste processo de construção da “nova velha agricultura”, baseada em processos ao invés de insumos: rotação de culturas; uso de plantas de cobertura; plantio direto / cultivo mínimo; integração de atividades; redução do uso de fertilizantes e agroquímicos; promoção do bem-estar animal; práticas justas de trabalho para os agricultores; manejo integrado de pragas.
Em diferentes momentos desta trajetória o produtor poderá contar com os bioinsumos, como forma de potencializar seus resultados e, sobretudo, de acelerar a restauração / revitalização / regeneração da capacidade produtiva dos diferentes ecossistemas.
Venha conosco ‘construir’ um mundo melhor …
PENSE REGENERATIVAMENTE !!!
Sobre o Instituto de Agricultura Regenerativa
O Instituto de Agricultura Regenerativa é uma associação privada, sem fins lucrativos, engajada na consolidação de um novo paradigma: a produção de alimentos saudáveis, ricos em nutrientes e sem resíduos de substâncias tóxicas pode promover a restauração de processos e relações naturais, gerando benefícios socioeconômicos e ambientais. Como tal, seus efeitos se assemelham ao que ocorre em ambientes naturais, onde os diferentes indivíduos interagem, de forma sinérgica e complementar.
Sem deixar de reconhecer a contribuição de práticas como o preparo mínimo do solo e o uso de culturas de cobertura em substituição aos agrotóxicos como contribuições efetivas da agricultura orgânica, a agricultura regenerativa dá um passo à frente: incorpora uma abordagem holística da produção agrícola, embasada em princípios de hierarquia ecológica e práticas conservacionistas. Com isso, regeneração, manutenção e aumento da resiliência da produção de alimentos se aliam à melhoria da qualidade de vida de produtores e consumidores de alimentos, tanto do meio rural como de grandes aglomerações urbanas.
Mais informações, acesse o site: https://br.regenerativeagricultureinstitute.org
Colaboraram para esta publicação:
Sebastião Ferreira de Lima – Engenheiro Agrônomo, Mestre em Agronomia e Doutor em Fitotecnia.
Marcelo Abreu da Silva – Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Ecoetologia.
Milene Dick – Médica Veterinária, Mestre em Agronegócios e Doutora em Zootecnia.
Vespasiano Borges de Paiva Neto – Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Agronomia.
Eduardo Pradi Vendruscolo – Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Agronomia
João Carlos Gonzales – Médico Veterinário, Mestre e Doutor em Ciências Veterinárias, in memoriam.
Homero Dewes – Farmacêutico, Mestre em Bioquímica e Doutor em Biologia.
Referências
Brasil. 2023. Bioinsumos: tendência de crescimento no Brasil. Disponível em: https://www.embrapa.br/en/busca-de-noticias/-/noticia/85620702/bioinsumos-tendencia-de-crescimento-no-brasil#:~:text=Os%20dados%20de%20mercado%20de,2022%20e%202023%20de%2023%25.
Croplife. 2023. Biodefensivos, cada vez mais presentes no campo. Disponível em: https://croplifebrasil.org/produtos-biologicos/.
Dill, R.E. 2022. Bioinsumos na agricultura brasileira: alternativa biológica para uma agricultura ambientalmente sustentável. Dissertação (Mestrado). UERGS.
DunhamTrimmer. 2018. Global biocontrol market overview, trends & drivers. Annual Biocontrol Industry Meeting.
GMI. 2019. Biocontrol agents market size. Global Market Insights.
GMI. 2023a. Biofertilizers market report, 2032. Global Market Insights.
GMI. 2023b. Biostimulants market report, 2023. Global Market Insights.
Kynetec. 2023. Bioinputs market moves $827 million in Brazil. Disponível em: https://www.kynetec.com/bioinputs-market-moves-827-million-in-brazil.
McKinsey. 2022. A mente do agricultor brasileiro. Disponível em: https://mente-do-agricultor.mckinsey.com/.
M&M. 2020. Top trends in the agricultural biologicals market: growth opportunities and recent developments. Markets and Markets. Disponível em: https://www.abnewswire.com/pressreleases/top-trends-in-the-agricultural-biologicals-market-growth-opportunities-and-recent-developments_474139.html.
M&M. 2023. Top trends in the agricultural biologicals market size, share and analysis – 2028. Markets and Markets.
Milkpoint, 2022. Agricultura regenerativa: desafios e perspectivas futuras. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/artigos/producao-de-leite/agricultura-regenerativa-desafios-e-perspectivas-futuras-231734/.
RegenerAgri. 2022. RegenerAgri – Agricultura Regenerativa. Disponível em: https://www.regeneragri.com/.
S&P Global, 2022. Sumário executivo biodefensivos: mercado brasileiro – safra 21/22. Disponível em: https://croplifebrasil.org/publicacoes/mercado-de-biodefensivos-safra-2021-22/.
Shagnick, K. 2023. Agricultural biologicals market: current landscape, growth opportunities and future market outlook. Roots Analysis Business Research & Consulting.
VMR. 2023. Agriculture market research reports. Vantage Market Research.