Por Diogo Assinger
No mês de junho de 2025, o Brasil foi abalado pela trágica morte do jovem Rodrigo da Silva Boschen, de 22 anos, em Curitiba, vítima de estrangulamento e agressões físicas aplicadas por seguranças privados após a suposta tentativa de furto de um chocolate em um supermercado. O caso, que culminou no
indiciamento de quatro pessoas, reacendeu o debate sobre o uso de técnicas de estrangulamento por forças de segurança, sejam públicas ou privadas. Nesse contexto, é pertinente revisitar o emblemático caso de George Floyd, cuja morte em 2020, sob o joelho de um policial em Minneapolis, desencadeou uma onda global de protestos e reformas legislativas sobre o uso da força policial, especialmente os
estrangulamentos. Este artigo analisa criticamente tais reformas nos Estados Unidos, discute os impactos da proibição dessas técnicas e propõe reflexões sobre sua regulamentação no Brasil e no mundo.
Em 25 de maio de 2020, o mundo assistiu, estarrecido, à morte de George Floyd sob o joelho de um policial em Minneapolis. As imagens do episódio, amplamente divulgadas, desencadearam protestos em todos os estados norte americanos e acenderam uma urgente discussão sobre os limites do uso da força
por agentes da lei. Tais protestos intensificaram o movimento Black Lives Matter e deram origem a uma onda de reformas legislativas que ficou conhecida como “Police Reform Wave of 2020”. Entre as medidas de resposta imediata, destacou se a proibição ou restrição dos chamados chokeholds — técnicas de
estrangulamento utilizadas em abordagens policiais.
Nos meses que se seguiram, uma série de estados americanos aprovou leis que limitaram drasticamente o uso dessas técnicas, criando um marco legislativo na relação entre o Estado e o controle físico de seus cidadãos. No entanto, especialistas e agentes da lei têm se perguntado: a proibição do estrangulamento realmente protege vidas ou, ironicamente, apenas retira do policial um meio
menos letal, tornando mais próximo o uso da força letal?
O cerco legislativo aos estrangulamentos (chokeholds)
A comoção social e política levou a uma resposta legislativa veloz. Entre junho e julho de 2020, ao menos cinco estados aprovaram leis que proibiram ou restringiram fortemente o uso dos estrangulamentos por policiais.
Minnesota: onde tudo começou
Foi em Minnesota, palco da morte de George Floyd, que a reforma começou. O estado modificou seu estatuto criminal (Minnesota Statute § 609.06) por meio do Minnesota Police Accountability Act of 2020. Desde então, a utilização de estrangulamentos por agentes da lei passou a ser permitida apenas quando há justificativa legal para o uso da força letal. A nova legislação define chokehold como qualquer pressão aplicada no pescoço, garganta ou traqueia que dificulte a respiração ou reduza o fluxo de sangue ao cérebro.
Califórnia: resposta célere e abrangente
A Califórnia também reagiu com agilidade. Em 2020, a Assembly Bill 1196 proibiu o uso das chamadas carotid restraints — técnicas que comprimem as artérias carótidas. Já em 2021, a AB 490 expandiu essa vedação para qualquer método que restrinja a respiração de maneira semelhante, mesmo que não se
enquadre tecnicamente como restrição carótida. Ambas foram incorporadas ao Código do Governo da Califórnia § 7286.5.
Nova York: tipificação penal severa
Nova York adotou uma abordagem mais dura. Com a Eric Garner Anti Chokehold Act (em homenagem a outra vítima de violência policial), o uso de estrangulamentos por agentes passou a ser crime específico: o de “estrangulamento agravado”. De acordo com o Código Penal do Estado (§ 121.13a), o policial que causar lesão grave ou morte ao utilizar essas técnicas pode ser penalmente responsabilizado.
Colorado: vedação absoluta
O Colorado também agiu de forma firme. Através do Senate Bill 20-217, aprovado em junho de 2020, o estado incluiu no Código Penal § 18-1-707(2.5) a proibição expressa ao uso de estrangulamentos por policiais. A norma define a técnica de forma ampla, abrangendo qualquer pressão no pescoço que dificulte a respiração ou o fluxo sanguíneo cerebral.
Connecticut: exceção para casos extremos
Em Connecticut, a proibição veio com ressalvas. A Public Act No. 20-1 permite o uso de estrangulamentos apenas quando o policial está autorizado a empregar força letal. Ou seja, quando a vida do agente ou de terceiros está em risco iminente.
Técnica letal ou opção menos gravosa?
Embora pareça natural vedar o uso de uma técnica que pode causar a morte, a questão é mais complexa. A proibição generalizada retira do policial uma ferramenta menos letal intermediária, restringindo o leque de opções, que variam entre controle físico de baixo risco (instrumentos menos letais) e a utilização de
armas de fogo – um salto perigoso na escala da força.
A comunidade especializada em artes marciais é uníssona ao afirmar que o estrangulamento, quando bem executado, pode ser seguro e eficaz, tanto no contexto esportivo quanto em intervenções policiais. No Jiu-Jitsu e no Judô, a perda temporária de consciência é controlada e raramente causa lesões, o que justifica a permissão do estrangulamento em competições oficiais — inclusive em categorias
infantis, no caso do Jiu-Jitsu.
O problema surge quando há falta de preparo técnico dos agentes. Casos fatais envolvendo chokeholds, como o de George Floyd, geralmente não envolvem policiais treinados em artes de agarramento, mas sim profissionais com força física, porém sem o domínio técnico necessário, o que leva à aplicação prolongada ou incorreta da manobra.
Fisiologia do estrangulamento
Existem duas formas principais de estrangulamento:
- Restrição carótida: Pressiona os dois lados do pescoço, comprimindo as artérias carótidas. Pode levar à inconsciência em 4 a 10 segundos e à morte cerebral em 2 a 3 minutos.
- Obstrução das vias aéreas: Obstrui a traqueia ou as vias aéreas, impedindoa entrada de ar. A asfixia pode levar à morte em 3 a 5 minutos, dependendo da resistência da vítima e da força empregada.
Ambas são potencialmente letais se mal aplicadas, razão pela qual foram banidas ou limitadas. Contudo, se aplicadas por um profissional treinado, podem resultar em controle eficaz sem danos permanentes.
Um paradoxo jurídico
A legislação norte-americana criou um paradoxo intrigante: enquanto civis ainda podem usar estrangulamentos em legítima defesa, os próprios policiais — cuja missão é proteger — estão legalmente impedidos de fazê-lo, mesmo em confrontos físicos onde o uso de força letal ainda não se justifica.
Esse vácuo operacional pode gerar consequências indesejadas: policiais, sem opções intermediárias eficazes, acabam recorrendo mais cedo à arma de fogo. Nesse cenário, o banimento da técnica pode, ironicamente, aumentar o risco de mortes em intervenções.
Um caminho possível: regulamentar, não proibir
A experiência acumulada por profissionais das artes marciais e da segurança pública sugere uma solução mais equilibrada: regulamentar o uso dos estrangulamentos, associando seu emprego à capacitação técnica certificada.
Tal como acontece com armas não letais, como o TASER, a aplicação das técnicas de estrangulamento poderia ser permitida apenas a policiais treinados e habilitados. Ao invés de bani-la por completo, a técnica poderia ser valorizada como uma ferramenta de controle eficaz e menos letal, desde que empregada com perícia e responsabilidade.
A regulamentação e o treinamento adequados servem para proteger ambos os lados. Os policiais estão resguardados ao aplicar uma técnica de acordo com o treinamento estabelecido e as diretrizes oficiais. Ao mesmo tempo, os cidadãos estão protegidos contra o uso indevido da técnica, já que ela só pode ser aplicada por agentes qualificados. Isso reduz significativamente o risco de danos aos civis, bem como a probabilidade de erros trágicos ou consequências legais para os profissionais da segurança pública.
A morte de George Floyd expôs falhas profundas na relação entre polícia, força e justiça. A resposta legislativa foi rápida, mas, talvez, rápida demais. O amadurecimento legislativo exige tempo e reflexão — atributos raramente compatíveis com pressões midiáticas. Leis criadas sob forte comoção tendem a
falhas técnicas.
O debate sobre o uso dos estrangulamentos (chokeholds) está longe determinar. Resta saber se a proibição irrestrita trará mais segurança para todos — ou se, na tentativa de evitar uma tragédia, outras poderão ser causadas.
Sobre o Autor: Diogo Assinger

Diogo Assinger é Policial Federal e Advogado, sendo Instrutor de Defesa Pessoal da Polícia Federal, faixa preta de Judô, instrutor de Jiu-Jitsu, ex-atleta de Wrestling estilo livre, graduado em Muay-Thai e outros. Ainda, é membro da International Association of Directors of Law Enforcement Standards and Training – IADLEST e da ASIS International, sendo ex-servidor da Justiça Federal Especializada. Atualmente cursa MBA em Gestão de Segurança Pública pela Universidade de Brasília – UnB. Atua e escreve na área de artes marciais, defesa pessoal, atividade policial e Direito.




