[*] João Augusto Botto Nascimento
No retorno dos trabalhos do Judiciário em Brasília na última quinta-feira, 1º de fevereiro, autoridades dos três poderes destacaram o “fortalecimento da democracia” após o ruidoso quebra-quebra de 8 de janeiro do ano passado. É justo observar, conforme fez o ministro-presidente do STF Luís Roberto Barroso, que 2023 o poupou de gastar tempo com “defesas do regime democrático”.
O presidente da República. Luiz Inácio Lula da Silva, também está correto ao dizer que “a democracia não é um pacto de silêncio” e deve, por este viés, ser construída a cada dia, de modo a defendê-la “dos extremistas que tentam fazer dela um atalho para chegar ao poder, e corroê-la por dentro”. O presidente do Senado destacou ainda que há pautas comuns que unem a todos, como a “saúde da nossa democracia”.
A preocupação de Lula da Silva e de Rodrigo Pacheco não ocorre à toa, posto que abundam na história exemplos de democracias que entraram em colapso, da ascensão de Hitler e Mussolini nos anos 1930 à atual onda populista de extrema-direita na Europa, passando pelas ditaduras militares da América Latina dos anos 1970.
Ocorre que o sentido de “democracia” está distorcido. Na teoria, a democracia é o regime em que os cidadãos participam na proposta, no desenvolvimento e na criação de leis através da representação política.
A sociedade delega o controle das demandas da coletividade aos seus representantes. Já na prática, há um sistema que privilegia “castas” entranhadas nos três poderes, mantidas por meio de uma pesada e ineficiente máquina pública.
O Brasil é um país pobre, com milhões de pessoas passando fome e milhares delas vivendo nas ruas, em condições degradantes. Nada disso, contudo, fez o gigantismo da máquina pública, que se cristaliza como um significativo entrave ao desenvolvimento e um dos maiores males da nação, ser encarado com seriedade pelos governos das últimas décadas.
Na contramão, os representantes eleitos ou que são indicados e, de igual forma, o funcionalismo público, estão entre os abastados. Faz tempo que o setor público, notadamente o Congresso Nacional e o Judiciário, já não cabe mais no PIB Brasil.
As dívidas do setor público brasileiro já superam a gigantesca cifra de R$ 8,1 trilhões – em 2022 -, com a consequente cobrança de juros de R$ 1 trilhão por ano, resultado em boa medida do apetite voraz por salários muito além da média nacional e de verbas para manter privilégios.
Em termos absolutos, o valor gasto com o Judiciário em 2022 chegou a R$ 159,7 bilhões. Desses, R$ 131,3 bilhões foram destinados ao pagamento de remunerações e contribuições aos magistrados e servidores, o equivalente a impressionantes 82,2% do total.
Por seu turno, segundo a BBC, o Congresso Nacional é o segundo mais caro de todo o planeta, com o custo total de US$ 4,4 bilhões – referência a 2022 -, perdendo apenas para o Congresso dos Estados Unidos, que passa dos US$ 5,1 bilhões.
Que democracia é essa que permite tamanha disparidade ante a realidade cotidiana de milhões de brasileiros? Que democracia pode resistir ao “Orçamento Secreto”, aos gastos previstos para o financiamento das eleições municipais deste ano, através do Fundo Eleitoral: absurdos R$ 4,9 bilhões – R$ 4 bilhões a mais em relação à proposta inicial do governo?
Que democracia há quando políticos alvos de inquéritos, denúncias e ações penais por suspeita de corrupção concorrem livremente nas eleições? Que democracia sobrevive ao ataque contra mecanismos anticorrupção?
A democracia brasileira enfrenta, como se observa, um teste crucial. Enquanto as autoridades ressaltam o “fortalecimento” do sistema democrático, o descompasso entre as cifras destinadas ao Judiciário e ao Congresso Nacional, em contraste com a pobreza e as carências básicas enfrentadas por milhões, questiona a própria essência da democracia.
Imerso nesse dilema, o Brasil precisa urgentemente redefinir o curso de sua democracia para garantir que a representação política genuína coexista com a justiça social, propiciando um ambiente onde todos os cidadãos possam prosperar.
[*] É advogado, membro da Anacrim/SE e secretário-geral do Fórum Brasileiro de Direitos Humanos.
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