STF julga, em plenário virtual, ação do governo contra prorrogação da desoneração da folha; processo é considerado crucial pela União para ajustar as contas após derrotas no Congresso
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Cristiano Zanin, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou nesta sexta-feira (17) para reconhecer que o Congresso não pode aprovar legislação que reduza a receita da União sem que apresente medidas compensatórias.
O julgamento no Supremo analisa a lei do Congresso que prorrogou até 2027 a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia. Zanin manteve o mesmo entendimento de abril de 2024, quando concedeu uma liminar favorável ao governo Lula (PT) suspendendo a lei que prorrogou a desoneração.
A decisão do ministro, porém, não trata da lei 14.973/2024, que surgiu em acordo entre o Congresso e o governo. Na prática, Zanin mantém a previsão de reoneração gradual da folha até 2027.
O caso é analisado pelo plenário virtual do Supremo. Os ministros têm até a próxima sexta (24) para apresentar seus votos no sistema eletrônico do tribunal. Até agora, o único a votar foi o relator Zanin.
Pela regra em vigor, a previsão é que o processo de reoneração gradual da folha de pagamento ocorra entre 2025 e 2027. A partir de 2028, as empresas de 17 setores da economia voltarão a pagar a contribuição sobre a folha de salários de 20% -valor cobrado atualmente das demais empresas não beneficiadas pela desoneração.
Na prática, uma decisão contrária aos contribuintes e favorável ao governo poderia fazer com que esses setores sejam reonerados de forma imediata, e não mais progressivamente conforme o acordo alcançado em 2024 -mas os ministros também podem modular a decisão, quando estipulam o marco a partir do qual ela tem validade.
No início deste ano, em manifestação ao STF enviada pela AGU (Advocacia-Geral da União), o governo Lula afirmou que a prorrogação do benefício pode provocar prejuízo de R$ 20,2 bilhões aos cofres públicos em 2025 por considerar insuficientes medidas de compensação.
Em seu voto, Zanin diz que a lei que prorrogou a desoneração tem trechos inconstitucionais por não indicar novas fontes de arrecadação para compensar a renúncia fiscal. A preocupação do ministro é impedir que o Congresso fique livre para criar novas legislações que impactem nas contas da União sem prever medidas compensatórias.
“Nesse sentido, conforme já asseverei acima, imperiosa a declaração de inconstitucionalidade, impedindo-se que práticas semelhantes venham a ser adotadas no futuro, atribuindo-se hierarquia constitucional ao princípio da sustentabilidade orçamentária”, diz.
Segundo Zanin, a diretriz de sustentabilidade orçamentária é um “imperativo para a edição de outras normas, sobretudo aquelas que veiculam novas despesas ou renúncia de receita”.
A ação contra a prorrogação da desoneração da folha de pagamento foi apresentada pelo governo Lula após o Congresso derrubar o veto presidencial sobre o tema. Após meses de discussão, o Executivo e o Legislativo fecharam um acordo para promover uma reoneração gradual da folha, de forma a reduzir os impactos nas empresas.
Zanin, em seu voto, não trata desse acordo. A reoneração segue mantida, de forma progressiva, até 2027.
A questão em torno da desoneração pode ser considerada delicada do ponto de vista político e jurídico.
A análise pode ser interrompida antes da conclusão por algum pedido de vista -mais tempo para análise do caso- ou de destaque, quando o caso é levado ao plenário físico. Temas de maior sensibilidade jurídica ou política costumam ser suspensos uma ou mais vezes para novas avaliações e articulações.
A discussão jurídica poderá lidar com o fato de que, no fim de 2024, após embates com o Legislativo em torno do tema, o presidente Lula (PT) sancionou a lei que mantém a desoneração da folha de pagamento.
A ação em discussão no Supremo, no entanto, é anterior a esse texto. Isso poderia resultar na chamada perda de objeto, ou seja, a lei questionada já foi superada, como apontam representantes de setores afetados.
Para a perda de objeto, a lei nova tem que ter revogado ou regulado inteiramente a matéria anterior.
O governo já havia judicializado a controvérsia ao buscar do STF aval para que se exigisse do Congresso a indicação de medidas compensatórias à desoneração.
A ação é uma iniciativa do próprio governo Lula e é assinada pelo advogado-geral da União, ministro Jorge Messias, hoje favorito para ocupar a vaga deixada por Luís Roberto Barroso na corte.
Na época, em abril de 2024, Zanin suspendeu trechos da lei que prorrogou a desoneração. O principal argumento da decisão do relator foi de que a desoneração foi aprovada pelo Congresso “sem a adequada demonstração do impacto financeiro”. O governo diz haver violação da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e da Constituição.
Zanin considerou que, sem indicação do impacto orçamentário, poderia ocorrer “um desajuste significativo nas contas públicas e um esvaziamento do regime fiscal constitucionalizado”.
O relator afirmou ainda que cabe ao Supremo ter “um controle ainda mais rígido para que as leis editadas respeitem o novo regime fiscal”. Hoje, no país vigora o chamado arcabouço fiscal.
Um dos grupos beneficiados com a desoneração é o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.